MBRTV - Museu Brasileiro de Rádio e Televisão

A história da TV Tupi



Inaugurada em 18/09/1950, com o prefixo PRF-3, a TV Tupy-Difusora entrou no ar no canal 3 de São Paulo. Assis Chateaubriand, dos “Diários Associados”, era o dono desta que foi a 1ª televisão do Brasil e da América do Sul. Sua antena foi instalada no alto da torre do Banco do Estado de São Paulo.

Sendo raríssimos os proprietários, de aparelhos domésticos, Assis Chateaubriand instalou televisores na Praça da República, no Jockey Club e outros pontos estratégicos da cidade de São Paulo para o povo assistir à façanha. É difícil reproduzir fielmente o que aconteceu naquele dia no estúdio montado na “Cidade do Rádio”, prédio da Rádio Tupi no Sumaré. As testemunhas se contradizem, reportagens da época narram histórias diferentes. O roteiro previsto foi modificado na hora e não existem registros em vídeo. Cruzando informações, chega-se a esta provável descrição do dia histórico:
Às 16h, o bispo auxiliar de São Paulo, dom Paulo Rolim Loureiro abençoou os estúdios e benzeu as câmeras. Chateaubriand fez seu discurso. Na qualidade de madrinha da televisão, a poetisa Rosalina Coelho Lisboa Larragoiti foi a primeira de uma série de convidados a exaltar aquele momento histórico. A solenidade terminou às 18h, com a promessa de um grande show inaugural, às 21h, chamado “TV na Taba”. Uma das três câmeras quebrou e o técnico norte-americano Walter Obermiller quis adiar, mas a equipe optou por improvisar. Tendo Dermival Costa Lima na direção artística e Cassiano Gabus Mendes como seu assistente, o espetáculo começou com cerca de uma hora de atraso. A seguir, as atrações que estavam previstas no roteiro de estréia:
A atriz Yara Lins foi a primeira a aparecer na telinha, anunciando o prefixo da emissora: PRF-3 TV Tupy-Difusora. (nota: neste trecho inicial, conforme depoimento à Pró-TV, a atriz-mirim Sonia Maria Dorce, com apenas 5 anos, apareceu vestida de índio, dizendo “Boa noite. Está no ar a televisão do Brasil”). Na seqüência, o anfitrião Homero Silva apresentou uma espécie de trailer do que o espectador poderia ver na TV: suas “visitantes” (Helenita Sanchez e Miriam Simone) foram conduzidas pelo estúdio neste passeio pelo mundo encantado da televisão. Apontando para um cartaz com o letreiro “Dança Ritual do Fogo”, eles introduziram a orquestra de Georges Henry, com a participação do exótico assoviador William Fourneaux. O humor estreou com a “Escolinha do Ciccillo”, do autor Paulo Leblon, com Xisto Guzzi, Simplício, Walter Avancini, Geni Prado, João Monteiro, Aldaísa de Oliveira, Nelson Guedes e Lulu Benencase. O maestro Rafael Puglieli tocou o piano. Sentado num banquinho, o comediante caipira Mazzaropi deu uma idéia do que seria o programa “Rancho Alegre”, tendo como cenário de fundo uma casa de caboclo. No “Vídeo Esportivo”, o apresentador Aurélio Campos se colocou diante de uma miniatura de campo de futebol, e então o craque Baltazar, que estava de costas, revelou-se sorrindo, enquanto eram ouvidos gritos de gol. A câmera mostrou os pés de um negrinho chutando uma laranja, e em seguida ouviu-se a voz de uma mulher repreendendo-o. Wilma Bentivegna e os Garotos Vocalistas (nota: no depoimento dado à Pró-TV por Santo Morales, que fez parte do grupo, o nome correto era “Os Três Amigos”) interpretaram um bolero. A bailarina Lia Marques dançou o “Romance Espanhol”, junto com o cantor Marcos Ayala. Os atores Walter Forster, Lia de Aguiar e Vitória de Almeida encenaram o esquete curto “Ministério das Relações Domésticas” – uma comédia conjugal. O locutor Maurício Loureiro gama deu um flash de seu “Em Dia com a Política”. O tradicional programa infantil “Clube Papai Noel” foi transportado da Rádio Difusora para o vídeo, com crianças exibindo seus dotes artísticos. O número “Pé de Manacá”, com Vadeco, foi cancelado devido à ausência de sua parceira Hebe Camargo. Lolita Rodrigues também substituiu Hebe para cantar o “Hino da TV”. Às 23h30, sem qualquer anúncio comercial, terminava o espetáculo “TV na Taba”. Nos primeiros dias, a Tupi trabalhou heroicamente com uma programação das 18 às 23h.

Em 20/01/51, dia do aniversário da cidade do Rio de Janeiro, estreou a Tupi carioca (PRG-3 TV canal 6). A antena foi colocada no alto do Pão de Açúcar (o clero se opôs à instalação no Corcovado). Ali mesmo, uma comitiva celebrou a estréia às 12h49, com a presença de Chateaubriand. Padrinhos da estação, o presidente da República Eurico Gaspar Dutra – que acionou o transmissor, o general Mendes de Morais e sua esposa Sra Deborah ligaram os receptores, derramando champagne sobre eles. Dezenove indiozinhos bugres encenaram um número de “macumba branca”. O apresentador do programa inaugural, o compositor e jornalista Antônio Maria, anunciou entre outras atrações o conjunto Garotos da Lua, do qual João Gilberto era integrante. A emissora, então dirigida por José Mauro e tendo Carlos Rizzini como superintendente, situava-se junto à praça Mauá, na Av. Venezuela 43/5° andar, operando em estúdios improvisados na Rádio Tamoio. Dali eram transmitidos programas como “Personagens Célebres”, de Haroldo Barbosa, com o comediante Colé. Em 1955, a Tupi do Rio mudou-se para para o Cassino da Urca (desativado desde 1946), na Av. João Luiz Alves, 13/14. Almeida Castro tornou-se o diretor do canal carioca em agosto de 1956.

Em 1958, as Associadas compraram a Rádio Cultura de São Paulo, de onde passaram a transmitir programas populares. Em 1959, Chateaubriand (que viria a falecer em 1968) doou 49% de seu império de comunicações a 22 empregados, que se tornaram condôminos. A emissora paulista mudou-se de prefixo em 01/08/60 – saiu do canal 3 e passou a ser sintonizada no 4. Em 28/09/60, foi inaugurado em São Paulo um novo e majestoso edifício-sede no Sumaré. No ano seguinte, a Tupi adquiriu o Cine Ritz-Consolação, reformado para a temporada da cantora americana Eartha Kitt, também atriz que viveria uma das Mulheres-Gato da série ‘Batman’. Tendo formado sua rede nacional em abril 1974, a Tupi viveu muitos anos de glória, mesmo em seus últimos momentos. Um dos êxitos dos primeiros anos foi o “Clube dos Artistas”, que teria longa vida com Airton Rodrigues e Lolita Rodrigues. Entre outros programas de destaque: os teleteatros TV de Vanguarda (1952) e Grande Teatro Tupi (1951 e nova fase em 1956 com Sérgio Britto); o telejornal Repórter Esso (19 52); as entrevistas políticas de Arnaldo Nogueira em “Falando Francamente” (1953), a série Alô Doçura, com Eva Wilma e John Herbert (195 5); o teatro Câmera Um, do diretor Jacy Campos (1956); shows de variedades como Espetáculos Tonelux (1952), Almoço com as Estrelas (1956 – com o casal Airton e Lolita Rodrigues em São Paulo e com Aérton Perlingeiro dentro do ‘A.P. Show’, no Rio), Esta é a Sua Vida (1956), Um Instante Maestro (1957) e A-E-I-O-Urca (1963), o game show O Céu é o Limite (1956); os seriados de aventura Falcão Negro (1954) e Jerônimo – o Herói do Sertão (1972); os infantis Clube do Guri (1955) e Capitão Aza (1968); os debates políticos do Pinga Fogo (1963); o programa experimental Móbile (1964); o jornalístico Abertura (1979); o apelativo Aqui e Agora (1979), os concursos de Miss Brasil, que tiveram seu auge nos anos 50 e 60; e as novelas O Direito de Nascer (1964), Antônio Maria (1968), Beto Rockfeller (1968), Nino – o Italianinho (1969), Meu Pé de Laranja Lima (1970), Mulheres de Areia (1973) A Viagem (1975), Éramos Seis (1977), O Profeta (1977) e Aritana (1978). Algumas de suas principais estrelas da teledramaturgia foram Aracy Cardoso, Alberto Perez, Eva Wilma, Carlos Zara e Tony Ramos.

Devido ao atraso no pagamento dos salários, os funcionários da Tupi-SP iniciaram uma greve histórica em 24/01/80, tirando os programas do ar. No mês seguinte, os atores foram demitidos. Em 02/05/80, às 16h21, o jornalista Saulo Gomes, do programa “Isto É São Paulo”, encerrou as produções da central paulista da Tupi. A estação carioca passou a gerar as imagens para os demais estados. A rede faliu devendo uma fábula à Previdência Social. Em 16/07/80, prestes a completar 30 anos, a TV Tupi-SP foi declarada extinta pelo governo, junto com mais 6 das 9 emissoras da rede. Salvaram-se apenas a TV Brasília do Distrito Federal e a TV Itapoan de Salvador. As últimas imagens da Rede Tupi foram ao ar em 18/07/80: a TV Itacolomi de Belo Horizonte nem chegou a funcionar naquele dia; a TV Marajoara de Belém encerrou a programação na véspera com o filme ‘Tempos Difíceis’; a TV Rádio Clube de Recife se despediu às 10h50 com uma reportagem sobre sua própria extinção; às 11h19 foram lacrados os transmissores da TV Ceará de Fortaleza, após uma série de apelos como o do cantor Fagner; a TV Tupi de São Paulo já se encontrava em greve e foi fechada às 11h30; a TV Piratini de Porto Alegre interrompeu um episódio da série ‘Bonanza’ às 11h55; e após uma vigília de 18 horas comandada por Jorge Perlingeiro, que varou a madrugada, a Tupi carioca saiu dramaticamente do ar, às 12h36, em meio ao choro dos funcionários e um VT da visita do papa João Paulo II ao Brasil.

Crédito obrigatório: Texto retirado do “Almanaque da TV – 50 Anos de Memória e Informação”, Ricardo Xavier (Ed. Objetiva, 2000), com autorização do autor.

Elmo Francfort

Elmo Francfort

É diretor do Museu da TV, Rádio & Cinema. Já escreveu inúmeros livros sobre a história da televisão brasileira, sua área de especialidade.

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